|  
                      
                         
                          |  
                              MUSEU 
                                DO ÍNDIO VAI REABRIR COM NOVO NOME E RECEBER DE 
                                VOLTA COLEÇÃO EMPRESTADA À 
                                FRANÇA HÁ DUAS DÉCADAS.
 |  | 
              
              
              Primeiro 
                museu do mundo criado, especificamente, para combater o preconceito, 
                segundo seu próprio fundador, Darcy Ribeiro, o Museu do 
                Índio completa 70 anos em 2023. Apesar de estar com sua 
                sede, localizada em Botafogo, fechada para visitação 
                desde julho de 2016, a data tão significativa, claro, não 
                poderia passar em branco. Um conjunto de exposições 
                virtuais será lançado na plataforma Google Arts 
                & Culture. A primeira delas, “Hetohok — A festa da Casa Grande 
                do povo Iny”, já está no ar. A ideia é que 
                a agenda festiva se estenda até abril de 2024, quando o 
                museu deverá estar funcionando ao menos parcialmente. A 
                previsão é que o espaço volte com suas atividades 
                presenciais gradativamente a partir do segundo semestre deste 
                ano.
              
                 
                  |  | O 
                      último equipamento a ser reaberto deverá ser 
                      o casarão central, datado de 1880 e sede do museu 
                      desde 1978, e que passará pela primeira vez por um 
                      restauro completo. O prédio é tombado pelo 
                      Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico 
                      Nacional (Iphan) e pelo Instituto Rio Patrimônio da 
                      Humanidade (IRPH), e, portanto, a obra passa, em diferentes 
                      etapas, por análise dos órgãos de proteção. 
                      A fase atual é de projeto, após o anteprojeto 
                      ser autorizado. Orçada inicialmente em R$ 3,5 milhões, 
                      a intervenção também inclui o conjunto 
                      arquitetônico onde estão localizadas as reservas 
                      técnicas que abrigam o acervo da instituição. 
                      Outras melhorias — a substituição total da 
                      rede elétrica e as obras de prevenção 
                      de incêndios, em andamento desde 2020 — foram aprovadas 
                      mês passado pelo Corpo de Bombeiros. São 
                      intervenções minuciosas e que demandam bastante 
                      tempo, ressalta Juliano Almeida, chefe do Serviço 
                      de Gabinete do museu. — 
                      Só para a execução do anteprojeto do 
                      restauro que objetiva preservar e resgatar as características 
                      originais do casarão, que inclusive já passou 
                      por um incêndio, foi preciso fazer um longo trabalho 
                      de pesquisa. Mesmo o conjunto arquitetônico do entorno 
                      passa por análise, uma vez que é preciso garantir 
                      que ele não se sobreponha à fachada do casarão 
                      protegido, o que acontecia antes com a recepção, 
                      que teve parte desmoronada e agora será completamente 
                      renovada. O novo prédio que será erguido também 
                      contará com a loja do museu — detalha Almeida. | 
              
              O profissional acrescenta que 
                os trabalhos têm sido feito em meio a situações 
                adversas, como a pandemia e a crescente redução 
                de quadros especializados, como museólogos, arquivistas 
                e bibliotecários, um problema que, segundo ele, afeta toda 
                a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), 
                responsável pelo órgão.
              — O museu também não 
                conta com engenheiros em seus quadros, o que é um desafio 
                adicional para a gestão de complexas obras de segurança 
                e infraestrutura. Além disso, tivemos alguns problemas 
                com a empresa licitada para a obra da rede elétrica. Mas 
                ao final das intervenções, além da restituição 
                do bem tombado, em suas condições íntegras, 
                à sociedade, o museu espera oferecer um ambiente expositivo 
                seguro, confortável e acessível aos diferentes públicos 
                que historicamente frequentam o órgão — conclui 
                Almeida.
              Mais uma novidade e que também 
                faz parte do ciclo dos 70 anos será no nome da instituição, 
                que, em breve, deixará de se chamar Museu do Índio 
                e passará a ser denominada Museu dos Povos Indígenas, 
                assim como ocorreu com a Fundação Nacional do Índio, 
                que em 1º de janeiro deste ano passou a se chamar Fundação 
                Nacional dos Povos Indígenas.
              O destaque das comemorações, 
                porém, fica por conta de uma exposição aguardada 
                há quase duas décadas e ainda embrionária. 
                O que se sabe é que um conjunto de 604 peças do 
                Museu do Índio — a maioria plumária e oriunda de 
                povos indígenas do Centro Oeste do Brasil — emprestado 
                ao Musée D’Histoire Naturelle, Industriel, Commércial 
                et D’Ethnographie de Lille, na França, em 2004, finalmente 
                retornará ao seu país de origem. Contratualmente, 
                segundo Bruno Aroni, coordenador de Patrimônio Cultural 
                do museu, as peças deveriam ter voltado em 2009, o que 
                não ocorreu, e desde então a Funai, com o auxílio 
                do Itamaraty e do Ministério Público, tenta reaver 
                a coleção. A ideia é que os itens fiquem 
                em exposição tão logo cheguem ao Brasil, 
                o que deve acontecer nos próximos meses, e a mostra não 
                necessariamente será montada nas instalações 
                do museu.
              
                 
                  |  | O 
                      Museu do Índio ganhou uma nova reserva para receber 
                      o acervo que será repatriado. Agora são quatro 
                      para acondicionar mais de 20 mil objetos contemporâneos, 
                      que são expressões da cultura material de 
                      150 povos indígenas brasileiros. Suas origens remontam 
                      à década de 1940 e se estendem à atualidade. 
                      O acervo total do órgão científico-cultural, 
                      que já está com a maior parte digitalizada, 
                      tem sido submetido a uma requalificação feita 
                      pelo povos indígenas e recentemente também 
                      teve um importante ganho: passou a contar com imagens.  O 
                      museu vai ainda utilizar o sistema de automação 
                      em seu acervo, que, por sua vez, é constantemente 
                      monitorado via celular. A melhoria está em fase final 
                      de instalação. | 
              
              De 
                acordo com a diretora interina do Museu do Índio, Elena 
                Guimarães, a requalificação das peças 
                indígenas não só difunde informações 
                preciosas, mas leva o público a um novo olhar para os itens 
                sob a perspectiva de quem os produziu. Antes, especialmente até 
                2008, quando foi criado o Projeto de Documentação 
                Cultural gerenciado pelo Museu do Índio em parceria com 
                a Unesco, a maioria das peças era descrita por antropólogos 
                brancos.
              — Temos feito várias oficinas 
                com os povos indígenas, pois na verdade são eles 
                que trazem apontamentos que não existiam no nosso arquivo 
                sobre os itens. E isso tem tornado o nosso acervo ainda mais valioso 
                — explica.
              A pesquisadora e indígena 
                Francy Baniwa, coordenadora do Projeto de Documentação 
                Cultural, responsável por algumas das oficinas de requalificação 
                e pela inserção das imagens na base de dados, dá 
                exemplos de como a mudança ocorre na prática:
              — 
                Estive na comunidade Baniwa, em São Gabriel da Cachoeira, 
                no Amazonas, e fizemos juntos uma qualificação e 
                requalificação de acervo. Uma cesta de cerâmica 
                que antes vinha exatamente com essa descrição, agora 
                ganha informações sobre o traçado usado, 
                que em alguns casos descobríamos como era feito tecendo 
                na hora, com a ajuda de um barbante. Além das técnicas 
                empregadas, a matéria-prima e o grafismo podem ser associados 
                a plantas e a animais, como a digital de uma tartaruguinha impressa 
                em uma das peças.
              
                 
                  | 
                      Francy 
                        acrescenta que esses itens saem de seus territórios, 
                        mas carregam suas histórias. A pesquisadora é 
                        também responsável pela coleção 
                        Cestaria e Cerâmicas Baniwa, que contém 85 
                        peças e é o primeiro acervo autoetnográfico 
                        do Museu do Índio. Oriunda da qualificação 
                        que Francy fez na comunidade, a coleção 
                        foi traduzida para português e línguas indígenas 
                        como a baniwa. O 
                        museólogo Daniel Lira, indigenista especialista 
                        do museu, explica a importância da coleção, 
                        a primeira criada pelos próprios indígenas 
                        sem influência direta do homem branco: — 
                        Ela traz uma técnica que é um processo químico 
                        que faz com que a cerâmica mude de cor ao passar 
                        pelo fogo, um saber, entre outros, que só a comunidade 
                        baniwa tem. E nós temos muito orgulho dessa coleção. O 
                        acervo será exposto pela primeira vez em setembro, 
                        no Itaú Cultural e no Instituto Tomie Ohtake, ambos 
                        em São Paulo. As peças farão parte 
                        de uma exposição sobre o projeto do Museu 
                        das Origens, que terá ainda itens de uma expedição 
                        realizada também na comunidade baniwa pelo antropólogo 
                        Eduardo Galvão, em 1954, ano seguinte à 
                        fundação do Museu do Índio. | 
 | 
              
              
                 
                  |  | — 
                      A diferença é que o Eduardo Galvão 
                      naquela época saiu do Rio de Janeiro em direção 
                      ao Amazonas em busca de peças que foram feitas pelos 
                      indígenas mas a partir de uma perspectiva dele, um 
                      antropólogo branco. Era o que ele achava bonito, 
                      interessante. Agora, apesar de a Francy ser uma pesquisadora, 
                      ela é da comunidade. São peças feitas 
                      por eles, sob o olhar deles, de como eles são — explica 
                      Lira. São 
                      esse olhar e esses saberes que Xmaya Kaká, da etnia 
                      fulni-ô, de Pernambuco, transmitia aos visitantes 
                      do Museu do Índio, até o prédio fechar. 
                      Um dos colaboradores mais antigos da instituição, 
                      no quadro de funcionários há 17 anos, Xmaya 
                      é recepcionista e não vê a hora de poder 
                      abrir os portões do local novamente para o público, 
                      sobretudo as crianças. | 
              
              — 
                Por mais que os trabalhos não tenham parado, o que queremos 
                ver logo é o público de volta aqui; os alunos das 
                escolas públicas lotando esses espaços. Eu sinto 
                saudade de passar informações, de mostrar o que 
                é ser índio ou indígena de verdade. Este 
                é o meu trabalho — afirma.
              Fonte: 
                O 
                Globo - Zona Sul - Por: Priscilla Litwak
                Fotos: Fabio Rossi