Por que a polícia
é tão violenta?
Nos
primeiros 55 dias de 2014, tivemos pelo menos 45 mortos
em operações policiais em favelas do Rio
de Janeiro, sem contar feridos. São números
que propõem a toda sociedade, com urgência,
o desafio de refletir e questionar as ações
de segurança pública no Rio, especialmente
nas favelas.
Como alguém que se constituiu no mundo a partir
da Maré, busco compreender as práticas das
forças policiais na favela a partir do olhar dos
agentes diretamente envolvidos nessa problemática:
policiais, integrantes dos grupos criminosos armados e
moradores. Meu esforço é pensar caminhos
para ampliar o diálogo com as autoridades, que
muitas vezes não conseguem envolver no debate a
população diretamente atingida pela falta
de políticas abrangentes de segurança pública.
É fato que as soluções neste campo
não são mágicas nem rápidas.
A crescente violência exige a construção
de uma política global, não baseada em medidas
fáceis, pirotécnicas ou de curto prazo.
Um projeto que não pode, definitivamente, depender
de ciclos eleitorais. Nesse sentido, a experiência
em realização no Rio de Janeiro das Unidades
de Polícia Pacificadora (UPPs) poderá ser
um avanço se governo e sociedade civil conseguirem
incorporar ao programa, a curto prazo, a escuta do cidadão.
Passos importantes nesse sentido já vêm sendo
dados por algumas instituições. Na Maré,
desde 2009, a Redes da Maré vem mobilizando moradores
para que participem da elaboração de propostas
para esta área.
Esse trabalho tem mostrado que não haverá
mudança substancial sem uma compreensão,
por parte de quem vive, age e ama no bairro da Maré,
sobre o que significa ter direito à segurança
pública e o papel que precisam cumprir na conquista.
Estou certa de que o mesmo é verdadeiro para muitas
outras áreas do Rio.
Durante o trabalho de reflexão coletiva sobre as
práticas policiais na Maré, percebi que
o morador da favela não compartilha do mesmo conceito
de segurança dos que residem em locais de maior
padrão de renda. Essa é uma pista interessante
para compreender as razões da intolerância
e descrédito na relação da população
com a polícia. A experiência de um policial
que se coloca no papel de proteger a população
que mora em favelas nunca fez parte da história
dessas comunidades. Elas nunca vivenciaram uma rotina
diferente da violência, do desrespeito e da humilhação
que sempre caracterizaram as práticas de grande
parte dos profissionais do aparato policial. Para muitos
agentes de segurança, persiste a visão preconceituosa
que considera todas as pessoas que residem em favelas
como potenciais cúmplices de atividades ilícitas.
A morte da policial Alda Rafael Castilho, de 27 anos,
causa indignação e tristeza, sim, a todos
que trabalham para a diminuição do quadro
de violência em que se encontra o Estado do Rio
de Janeiro. Assim como a morte de Gabriel Lelis da Silva
Barbosa, de 14 anos, e de Jefferson Moreira de Jesus,
de 24, em operação policial na Maré,
no dia 23 de janeiro. Vivemos num estado em que as pessoas
gastam uma energia significativa observando qual morte
é mais reconhecida e valorada. E isso, sem dúvida,
é tão violento e indigno quanto a barbárie
explícita que se vivencia no nosso cotidiano.
Não chegaremos à essência desse problema
valorizando práticas que colocam pessoas de opiniões
distintas como inimigas, as quais devem ser combatidas,
como numa guerra. Nenhuma vida vale mais que outra, independentemente
de quem se esteja falando.
Fonte:
http://oglobo.globo.com/opiniao/por-que-policia-tao-violenta-11702643
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